terça-feira, 31 de agosto de 2010

Um dia de praia


Já à muito tempo que não ia à praia. Tenho passado o tempo fechada no meu pequeno e cómodo mundo. É difícil para mim ir para a praia sozinha. Não compensa o desperdício de energia e paciência. Mas no domingo, convidaram-me para ir e eu aceitei.
Não tinha dormido nessa noite. Estava de directa e o meu corpo estava estranho. Não tinha sono nenhum e senti o coração a disparar ao mínimo esforço que fazia. Descontraída e à espera que me viessem buscar, deitei-me no meu pequeno sofá de sala enquanto via televisão. Eu adoro ver os Simpsons e àquela hora estava a dar. Comecei a ver a série até que comecei a olhar para as letras pequenas e brancas das legendas mas sem as ler. Estava a sentir as minhas pálpebras a fecharem cada vez mais cada vez que piscava os olhos. Por vezes, o piscar de olhos era demorado, fazendo da minha visão turva. Deixei-me dormir sem dar conta.
Acordei sobressaltada quando ouvi a campainha a tocar. Não me tinha deixado dormir à muito tempo, ainda estava a dar os Simpsons e não tinha passado 20 minutos desde a ultima vez que tinha olhado para o telemóvel. Levantei-me à pressa para ir abrir a porta. Sentia o meu coração a palpitar tanto que o conseguia ouvir. Estava cansada. A minha respiração estava acelerada e sentia o meu peito solto. Quando abri a porta e vi que era o meu primo, a voz que me saiu para o cumprimentar era esganiçada e sem força, aguda e suave. Os meus tios estavam à minha espera na carrinha e eu ainda nem me tinha vestido para ir para a praia. Deixei o meu primo entrar e sentar-se na sala para ver os Simpsons enquanto fechava a porta do meu quarto para me vestir ainda um pouco sobressaltada. Quando finalmente acordei de mim e tive a oportunidade de pensar, coisa que o cansaço não me estava a permitir, pedi para o meu primo ir avisar aos meus teus tios que me tinha deixado dormir e que já ia. Ele assim cumpriu, deixando aporta aberta para mais tarde voltar para acabar de ver televisão. Ele tinha ido depressa. Saí do meu quarto cerca de cinco minutos depois e já lá estava ele.
Saí de casa e entrei na carrinha onde me aguardava o meu tio, a minha tia e o meu primo mais novo. Depois de entrar na carrinha, ainda com o corpo mole, entrou o meu primo ao mesmo tempo que a minha tia me perguntava se estava tudo bem. Partimos para a praia do Inatel.
Quando lá chegamos, vi a expressão do meu tio e da minha tia. Via que estavam a analisar qualquer coisa. Pouco depois, ouvi-o a comentar que a água estava castanha e imprópria enquanto a minha tia implicava de nada ter visto. Na verdade, eles estavam a ver se a água estava em condições visto que na noite anterior, a minha mãe falou-lhe que tinha havido uma descarga de esgotos na praia e, graças a um cano danificado, os esgotos desaguaram mais perto da costa do que era suposto.
Seguimos para uma próxima praia. Ainda não sabia para que praia íamos. Sei que estávamos a afastarmos de Albufeira. Quando estávamos prestes a chegar, li numa placa “Praia dos Salgados”. Era uma praia à qual eu nunca tinha ido. Já tinha ouvido falar desta praia e pelos maus motivos. Como tem uma lagoa lá perto, a praia foi considerada a praia com mais mosquitos do Algarve à uns anos atrás.

Saímos da carrinha e dirigimo-nos para as traseiras do carro. Os utensílios de praia eram distribuídos por cada elemento de forma equilibrada, sendo as crianças as que levavam menos. O meu primo mais novo teve de ir no colo da minha tia visto que não sabia andar com os novos chinelos que a mãe lhe tinha comprado. Como ele estava habituado a andar com chinelos do tipo havaianas, não lhe dava jeito andar com chinelos sem ser de enfiar no dedo. Reparei também que o seu irmão mais velho estava a fazer grandes esforços com uma pequena mala que levava numa das mãos. Perguntei-lhe se queria ajuda e ele deu-me o pequeno saco. Realmente era um pouco pesado mas como não levava muito, trocava o saco de mão de vez em quando. Antes de chegarmos à praia, fomos até perto da lagoa que se situava mesmo ao lado do parque de estacionamento da praia. Era uma lagoa limpa. A água fazia pequenas ondas com o vento. Havia patos negros a nadar lá no meio. Uma densa vegetação verde e alta impedia os mais curiosos de verem algo do parque de estacionamento, sendo só possível ver a lagoa, já perto da praia onde se situava uma ponte de madeira que atravessava a lagoa de um lado a outro.
Quando finalmente chegamos à praia, olhei em meu redor enquanto continuávamos a andar pelo areal fora para procurar um local para ficar. A praia era enorme e sem rochas. Para qualquer lado que olhasse só via chapéus-de-sol, areia, areia e areia. No fundo ao lado direito, conseguia-se ver uns prédios brancos. Quando finalmente chegamos ao local onde iríamos ficar as próximas horas, metemos tudo no chão enquanto que o meu tio furava o areal com metade do chapéu-de-sol. Enquanto ele metia a outra metade e abria o chapéu como um leque de cores, a minha tia espalhava o protector solar na pele das crianças. Por onde o creme passava, a pele tornava-se mais clara e com tons meio azulados. Tirei a roupa e pedi à minha tia para me ajeitar o bikini que a pressa que tive em casa não me deixou apertar.
Quando já estava tudo posto, tudo organizado e as toalhas estendidas, fomos para a água. Era uma água limpa e de tons esverdeados. Era possível ver a areia do outro lado daquele extenso espelho verde. Aproximávamo-nos das água devagar. Quando a força da água empurrou-a para os meus pés, senti-a fria. Continuávamo-nos a aproximar pouco a pouco até a água chegar-nos aos joelhos. As crianças brincavam na água, histéricas com o choque térmico. O meu primo mais velho chapinhava na zona de formação das ondas enquanto que o mais novo espezinhava a pouca água que subia a areia. Lentamente, o meu corpo era capada vez mais submerso naquele mar. Quantas mais ondas vinham, mais frio sentia mesmo sabendo que as ondas não eram grandes. Aquele frio acelerava-me o coração e, sempre que a água molhava mais um pouco do corpo, parte que não tinha sido molhada antes, os meus pulmões inchavam de ar e o meu peito elevava-se. Quando finalmente tive a coragem de mergulhar, levei os dedos ao nariz para a água não entrar e num acto heróico, mergulhei na água fria. Senti toda a minha cabeça a arrefecer e a minha mente a acordar. O frio da água congelava-me as emoções. Dentro daquela água não tinha problemas. Apenas ouvia as crianças a guincharem da superfície como se estivesse numa divisão à parte e fechassem a porta à chave. Os sons eram todos abafados fazendo com que o barulho das ondas, calasse tudo o resto. Quando voltei à superfície foi como se entrasse no mundo outra vez. De cabelo colado à cabeça, limpei os olhos com a ponta dos dedos para retirar o excesso de água. Assim que abri os olhos algo me impossibilitou de os deixar abertos, fechando-os com força. Não tinha retirado a água toda que se encontrava presa por entre as pestanas e quando abri os olhos, as pequenas gotículas de água salgada entraram-me pelos olhos a dentro, fazendo-os arder bastante.
Quando limpei bem os olhos de modo a já os conseguir abrir bem, abaixei-me e fiquei submersa até ao pescoço. Sentia os músculos todos. A água parecia querer congelar-me os músculos e articulações que se movimentavam para dar a possibilidade da minha cabeça permanecer fora de água. Quando comecei a sentir frio, sai do mar com as ondas a empurrarem-me para a arrebentação. Quando cheguei à areia, senti uma grande dor de ouvidos. Permaneci ali perto de água com os meus tios enquanto que a minha tia tirava fotografias às crianças que não ligavam a nada sem ser à brincadeira. A minha dor de ouvidos dizia-me para ir para a toalha mas eu queria ficar ali. Todos os dias sozinha em casa e agora que estava com os meus tios ia ficar sozinha por causa duma dor de ouvidos? Ignorei a dor de ouvidos que mais tarde veio a passar.
Quando a minha tia desistiu de tirar fotos às crianças irrequietas, voltamos para a toalha. Deitei-me na pequena toalha que tinha encontrado em casa. Nem pensei nas suas dimensões com a pressa que tinha. Estar deitada naquela toalha fazia-me impressão. Era pequena de mais. Ou eu estava quietinha e de braços junto ao corpo, ou tinha os braços na areia. Desisti de estar de barriga para cima e meti-me de barriga para baixo enquanto o meu tio se deitava à sombra e a minha tia lia um livro ao sol.
Deixei-me dormir sem reparar. O meu cansaço era suficiente para me deixar dormir sempre que me deitava.
Acordei com gritos de vozes que não me eram estranhas. Ainda estava muito hipnotizada para perceber o que quer que fosse. Levantei a cabeça e senti uma enorme dor de pescoço. Virei-o no sentido oposto para aliviar a dor e voltei-o para a frente. Quando olhei para onde vinha o barulho, deparei-me com os meus dois primos na sombra a zangarem-se um com o outro. Perguntava-me quantas horas tinha eu dormido. Não tinha a menor noção do tempo. Virei-me e sentei-me na toalha. Olhei para o mar ofuscada pelo sol. Tinha a impressão que o mar subira naquele tempo que tinha estado a dormir. Olhei para o lado e vi a minha tia a gritar com os miúdos. Lembrei-me de ir ver o telemóvel para ver se tinha alguma mensagem e para ver as horas. Tinha uma mensagem do meu namorado. Reparei que nem na praia eu tinha dormido muito. Se tivesse dormido quinze minutos era muito mas já sentia alguma satisfação por parte do meu cérebro ao dormir aquele bocado.
O meu tio perguntou-me se queria comer e eu, ainda um pouco adormecida, perguntei se já era hora de almoço esquecendo-me completamente que tinha visto as horas naquele instante. A minha tia disse que sim e o meu tio preparou-me uma sandes mista com batatas fritas dentro. Confesso que não tinha muita fome. Talvez porque tinha acordado na altura ou porque o calor me impedia de ter muita fome. Comi mesmo sem apetite. Fiquei na toalha a falar com a minha tia durante um bocado e mais tarde fui com ela para a água outra vez. Mergulhei e, em vez de ir embora, permaneci na água com a minha tia para falarmos. Passado algum tempo, quando o frio já se fazia sentir nos ossos, saímos e permanecemos perto do meu tio na berma da água onde o meu primo mais novo continuava a brincar. Continuamos a falar enquanto observávamos os miúdos a brincar. A minha atenção centrava-se principalmente no mais novo. Achava piada a sua brincadeira. Ele atirava-se para a areia quando as ondas rebentavam, mas por vezes, esquecia-se que depois daquela onda vinha sempre outra. Houve duas ou três vezes que as ondas passaram-lhe por cima da cabeça, enchendo-lhe o cabelo de areia fina.
Pouco tempo depois, os meus tios pediram-me para estar de olho nas crianças enquanto eles iam os dois para o mar. Sentei-me na areia húmida enquanto sentia a pouca água a molhar-me os pés. A minha atenção estava centrada no mais novo. Tinha a atenção de ver cada movimento para calcular a próxima queda.
Quando voltaram, eu e a minha tia fomos para as toalhas e o meu tio, com um balde de criança cheio de água, molhava a cabeça do seu filho mais novo para lhe tirar o excesso de areia.
Eu e a minha tia costumamos falar muito sobre a vida. Ela desabafa comigo assim como eu desabafo com ela. Mais do que uma tia, nós somos amigas.
Estávamos na conversa, quando se aproxima o meu tio com o balde na mão. Sem repararmos que o balde estava cheio de água, falamos com ele como se nada fosse. O seu sorriso mostrava que estava pronto a aprontar alguma. Quando reparei no seu sorriso já o meu tio se estava a preparar para cumprir com a partida. Molhou a minha tia com a água gelada do mar. Antes de conseguir pensar numa escapatória, já ele se estava a virar para mim para me molhar também. Eu ria-me enquanto que a minha tia ralhava com ele por ter molhado as toalhas. Ele não se parecia importar e ainda mandou areia para cima de nós, areia essa, que entrou em contacto com os nossos corpos molhados e colou. Tivemo-nos que levantar para ir ao mar retirar a areia de cima.
Voltámos a sair. Sacudimos e estendemos as toalhas pesadas de molhadas e sentámo-nos lá para falar mais um pouco.
Não demorou muito para o meu tio pedir para nos irmos embora.

Maçados de uma tarde de praia, transportámos as coisas que, agora, pareciam pesar o dobro. O caminho até ao carro foi mais cansativo do que o caminho do carro para a praia. Quando finalmente me sentei no carro e deixei repousar o corpo, pensei em todo o meu dia e cheguei à conclusão que valeu a pena. Valeu a pena acordar daquele curto sono que devia ter sido onze horas antes, valeu a pena o esforço para me despachar e valeu a pena despertar para desfrutar.

domingo, 29 de agosto de 2010

Machismo


Vem dos tempos mais antigos e por vezes menos reais. Tornou-se um hábito tão forte por entre os imortais. Desde os tempos mais remotos, o homem foi sempre considerado o ser que melhor pode fazer. O ser do saber e da ordem. O ser que pode ter tudo o que quer com a fala. Já no tempo dos reis era assim. Só os homens tinham direito ao trono. As mulheres eram para segundo plano e as rainhas usadas para criar uma nova geração de reis. Coitado do rei que dizia apenas ter princesas no seu castelo.
Dizem que o homem foi feito para mandar e a mulher para fazer. Que tem o homem a mais que a mulher? O homem pode ter força, mas nós, mulheres, temos os sentimentos que um corpo precisa. De que serve um ser humano em si se de corpo não passa? Se da cara não escorre lágrimas? Tantas perguntas a uma só resposta. “Os homens foram feitos para mandar.”
Não me apetece. E agora?
Fracas são as mulheres que se deixam levar pelo medo de enfrentar. Não há mais num simples machista que corpo e mania, ego e estupidez. Mulheres onde está a vossa força? Onde está o vosso sentimento?
Para eles que nada fazem, a mulher tudo tem de fazer. Mas ajudar é pecado neste mundo masculino e ser ajudada, é uma bênção. No final de tudo feito, nada feito está. É assim a vida de mulher escravizada. Não há pior escravo do que aquele que pode fazer mas tem medo. O medo é o pior sentimento a mostrar a uma besta. É da ferocidade do monstro que a bela teme.
Deixam-se ficar vidas anos a fora sempre sem nada poder fazer. As mulheres além de escravizadas, são mal tratadas por seres que se julgam mais que os outros. Não há coisa que me mete mais nojo que o Machismo.
Nestes olhos já passaram muita coisa. E nesta mente, muitos pensamentos. A única vez que vi o meu avô a tentar bater na minha avó revoltou-me. Cobardes sejam os homens que batem a quem não pode responder. Sem nada pensar, ergui-me do meu conforto para enfrentar a besta que, enfurecida pelo sangue divino, mostrava os seus olhos enraivecidos pelo lado feminino. Ofereci o meu corpo para ser espancada em troca da segurança da minha avó. Um acto que o fez enfurecer mais. Não me podia bater. Não a mim. Tentou agredir-me vocalmente mas resposta eu sempre tinha. Sentiu-se ameaçado por uma mulher. Vi-lhe a cara tomar o seu toque vermelho vivo. A raiva em mim também se manifestava. A minha respiração meio alterada e os meus punhos serrados, mostravam uma figura que um homem deve temer. A minha coragem de enfrentar os homens é a mesma coragem que deviam de ter todas aquelas mulheres que passam por situações horríveis nas mãos destas bestas. Nunca me deixei ir abaixo por uma atitude machista. Eles não têm mão em mim. Não me auto-intitulo feminista, mas se houver alguma coisa, sou a primeira a defender as mulheres. Mostrem ao corpo que, sem sentimento, não passam de simples objectos de casa. Não passam disso. Esses que no sofá ficam, insistem e reclamam não passam de simples peças. Uma decoração já velha e usada que devia ser jogada fora o mais depressa possível.
Do meu coração e da minha história de vida, cria-se uma jovem corajosa. Não temo por ninguém e digo o que tiver a dizer. Sei que me arrependerei se não disser e mais poder eles terão. Não quero. Não posso deixar. Não baixo as armas!

Mãe




Que mais sou eu que uma simples rapariga? Sim é verdade, mas devo de dizer que, tal como todos os seres humanos, preciso de atenção. Amor, carinho, afecto. Um simples abraço para mim significa muito. Mas ninguém me vê. Tal como no meu sonho, sou um simples fantasma que, por mais que grite, ninguém ouve. Não é por terem a culpa. Talvez a culpa é minha.
Desde pequena que sempre considerei a minha mãe como um exemplo a seguir. Quando eu era mais nova era ela a minha melhor amiga, contava-lhe tudo porque sentia que assim deveria de ser. Sei que errei muito, erros de criança, mas ela não se importou. Que criança má sou eu perto de tantos exemplos? Calada e tímida, todos na escola me conheciam por ninguém ter. Os amigos que já tive, foram amigos que demorei cerca de 6 anos a conquistar. Poucos foram os amigos que ficaram cá para me apoiar mas desabafos, esses sim oiço muitos. Mas é do mais silencioso segredo que eu vivo. Mas o mesmo não se passava com a minha mãe. Contava-lhe tudo sem receios. Que melhor amiga poderia ter eu? Ela não me ignorava se eu fizesse algo de errado. Mas toda a sua atenção era sempre pouca.
Toda a minha vida vivi ansiosa pelos fins-de-semana. Não por acabar a escola, mas por ficar juntinha a ela e passar o meu tempo em casa. Durante a semana, sempre que não estava na escola, ia para a casa da minha avó, fechava-me no quarto e brincava como quem brincava acompanhada. Por vezes ficava a brincar até adormecer. Fazia de tudo para que o tempo passasse depressa para chegar àquela hora da noite que ela saia do seu trabalho sobrecarregada de cansaço e me fosse buscar à casa da minha avó. Ia com ela, por vezes de mão dada. Sentia a mão dela a aquecer a minha o que me dava muito conforto. Quando estava com ela, o brilho das luzes nas ruas escuras não me assustava. Fazíamos o mesmo percurso todos os dias da semana, porque nos dias de fim-de-semana, o percurso era outro.
Acordava de manhã cedo. A minha mãe normalmente já estava acordada quando eu despertava. Sentava-me na sala a ver televisão. Lembro-me tão bem de quando tudo para mim era perfeito. O meu pai ia embora com o meu irmão todos os fins-de-semana de manhã o que me dava a possibilidade de brincar e mexer nas coisas do meu irmão às escondidas. Quando ele voltava e ralhava comigo porque tinha brincado com algo dele, a minha mãe metia-se sempre ao barulho, dizendo que tinha sido ela quando estava em arrumações. Tudo para me defender.
Para mim, ter pai ou irmão era-me indiferente já que do meu pai era raro até a simples troca de olhares e do meu irmão era mais usual ouvir gritos e por vezes risos de troça. Quando ambos estavam juntos a única coisa que faziam era gozar comigo pelo facto de eu ser gordo, motivo esse que me levou a fazer uma dieta até aos limites de magreza que o meu corpo poderia aguentar.
Desde muito cedo que os fins-de-semana para mim é sinónimo de estar com a minha mãe. Mais tarde, já quando eu andava na primária e até quando andava no 2º ciclo, ela levava-me de manhã para um centro comercial onde o nosso pequeno almoço era normalmente um grande e saboroso waffle de chocolate que normalmente dividia com ela. Era feliz assim. Passeávamos e falávamos quando havia tempo. Lembro também de esperar que a minha mãe terminasse de fazer a massa para os bolos para eu depois lamber os restos.
Mas os anos passaram e tudo foi-se perdendo aos poucos. Por vezes, gostaria de ser criança novamente. Era tudo tão fácil e parecia nunca haver problemas.
Comecei a dar cada vez menos importância ao meu pai. Na verdade, para mim ainda continua a ser um homem que não conheço. Tudo o que conheço dele, são familiares que me contam. Que poderei eu saber dele se ele ia-se embora para o trabalho de manhã e, por vezes ,nem o ouvia chegar a casa? Desde muito nova nunca me apercebi que adoração devia ter com o meu pai e fazia-me confusão os meus colegas da escola falarem tão bem dos seus pais e eu, sem saber o que dizer, falava da minha mãe.
Perdi-me completamente nos anos e agora que me encontrei sinto-me só. A minha mãe já não é aquela que me acordava de manhã para irmos tomar o pequeno-almoço a algum lado, já não é aquela mãe que me aquece a mão em pleno Inverno, já não brinca comigo como brincava. Por vezes sinto-me culpada de ter crescido e de já não ser a sua menina. Parece que agora só há um filho nesta casa. Fechei-me em mim e ignorei todos. A minha mãe tem cada vez mais trabalhos, é difícil apanhá-la em casa mas agora, sempre que a apanho em casa, desisto de falar. Por vezes tento falar e ela não quer ouvir. Diz-se que a culpa é minha mas eu às vezes nem sei o que tenho de mal. Por vezes paro e pergunto-lhe se tem orgulho em mim. Ela, sem poder dar outra resposta, diz que sim. Quem sou eu para dar orgulho quando ainda nada sei fazer? A raiva que sinto do meu pai, do meu irmão e da minha mãe é o que me destrói todos os dias. Por mais que tenha tentado conquistar o meu irmão ao longo de 16 anos, nunca consegui que ele fosse meu amigo. Nunca ouvi dele a palavra “mana”. Pouquíssimas foram as vezes, que ele, empolgado com algo, me chama e me pede uma opinião. Sinto-me tão bem quando ele o faz. Sinto alegria dentro de mim mas sabendo que estou a alimentar esperanças de um dia poder dizer com a mais real sinceridade que ele é meu irmão. A raiva que sinto do meu pai é diferente. É a raiva de não o conhecer e de ele insinuar que me conhece. A raiva de ver a minha mãe a esforçar-se por todos e ele ser o primeiro a rebaixar. Sinto raiva por ele ter feito tanto mal à minha mãe. Por todas aquelas atitudes racistas, machistas e egoístas.
Da minha mãe, é a raiva de não poder fazer nada e de ela nada fazer. Chegar a casa, dizer-me olá e mais nada dizer. Talvez desistira de dizer algo a alguém como eu. Insisto a dizer: a culpa é minha. Mas de mim também sinto raiva. A minha mãe agora já nem a casa vem. Por vezes vem a casa só mesmo para dormir. Sai dum trabalho e enfia-se noutro interessando-se apenas no dinheiro e nas amigas. Onde me situo nesta história? Onde me situo na história que um dia alguém quis escrever mas que tão incompleta ficou. De todas as personagens, eu sou uma figurante. Apenas os problemas levam à conversa. As conversa que temos são simplesmente conversas que sempre evitei: trabalho, problemas, amigas.
Ela desculpa-se sempre quando grita. Sinto nela cansaço, e por vezes, arrependimento naquilo que diz. Sei quando mente, sei quando se arrepende e sei quando algo não lhe agrada. Ela é do meu sangue, mas a diferença do meu pai, é que ela está-me no coração.
A minha mãe cresceu. Não fui só eu. A minha mãe agora está a dar mais importância ao meu irmão porque eu de importante nada tenho. Sou apenas aquela filha que passa os dias fechada em casa por não ter nada que fazer, que a chateia mas não pelo mau sentido. Ela diz que sou chata, mas eu apenas falo com ela nas horas vagas. Horas vagas são pouca e ela vê como uma chatice. O mesmo não se aplica com o meu irmão. De todas as conversas que ela tem com as amigas, eu apareço em segundo plano de elogio. Sai-lhe do coração algo como: “O meu filho é rapaz de se deitar perto de mim para falar comigo.” Mas só depois de sentir a minha presença e de sentir que o mundo me cai aos pés quando ninguém fala de mim, que para toda a gente eu não existo, ela diz: “Mas a minha filha também.”

Eu sei que ela também me sente. Mas eu sei que ela só sente a minha mágoa quando grita comigo e eu de queixo baixo fico. Tenho uma personalidade forte que ninguém consegue ver. Digo tudo o que penso mas por vezes não o posso fazer. Sei que se lhe contasse tudo o que me vinha à cabeça, ela diria novamente aquilo que ouvi uma vez: “Nunca pensei que ela me viesse a dar uma decepção”. Escrevo tudo o que sinto pois sei que só assim me conseguirei libertar. É com lágrimas escorridas pelo rosto abaixo que escrevo isto, lágrimas essas que querem sair quando estou perto dela mas que eu não as deixo escapar. Não posso dar-me ao luxo de mostrar que tenho mais motivos para a desiludir. Ela precisa de ver que me ei de aguentar com tudo assim como ela. Quero que ela veja que tenho uma personalidade forte e que não me deixarei ir abaixo mesmo que as pessoas que eu mais amo me abandonem. Só preciso do carinho dela, da sua disponibilidade, do seu respeito e que partilhe comigo o que ela não partilha com ninguém. Ela é minha mãe e um dia ei de mostrar que é melhor mãe do que ela pensa.

Como as pessoas banalizam o amor


Sentei-me um dia para pensar nas pequenas coisas da vida, do mundo que me rodeia. No pequeno mundo que gira à volta do que nos aquece, do que nos conforta, do que nos mata, que nos acompanha nos dias limpos. Fixei um ponto da minha parede para mergulhar num mar de ideias e pensamentos e para me afogar na minha própria mente. Comecei a pensar em algo tão impossível de explicar. No amor e nos seus derivados. Falo de amor de casal. Quando duas pessoas sentem o mesmo uma pela outra. Quando há uma chama que se acende no coração de cada um. Uma chama intensa e difícil de apagar. Uma chama que por vezes queima o ar e nos mata por dentro. Um simples toque pode reacender um incêndio sem controlo. Fala a voz do pecado e caiem no esquecimento os apaixonados que tanto calor sentem. O acelerar do coração, o voar das borboletas, os calafrios, a felicidade que se prende no estômago. Tudo isso faz parar o mundo. Não o mundo dos outros mas sim o mundo de quem sente. Caem os tecidos que nos protegem e voam os cabelos descaídos. Envolvem-se dois corpos pelo amor e a atracção. Elevam-se as respirações enquanto o coração se solta numa batida forte que nos faz ouvir a vida. Do nada cria-se algo. Intensificam-se os toques até os corpos voarem. O amor alimenta-se assim.
Quando alguém mesmo apaixonado está disposto a fazer tudo pela sua cara-metade e a sua metade corresponde, trancam-se os medos, suspendem-se os segredos e ligam-se duas vidas pelo consentimento mútuo. Dessa ligação criam-se laços fortes até à morte. Dois corações serão um. O seu bater forte cria uma vida nova e passa a bater por um novo pequeno coração. O amor faz milagres é verdade. Cria vidas, muda pessoas, mas mata aqueles que não recebem a correspondência do mesmo amor.
Mas há pessoas que não dão valor àquilo que é verdadeiro. O mundo agora é feito de prazeres e dinheiro. Ninguém liga o que não se compra e aluga-se o que não se pode ter. O sexo é combinado por duas identidade por vezes desconhecidas uma da outra para prazer de ambos. O casamento é uma fonte de dinheiro, e por vezes, nem dura o tempo de um piscar de olhos. Fomos os criadores da matéria e agora a matéria cria-nos a nós. Mentes brilhantes quiseram facilitar mas o mundo contemporâneo que renovar. As boas coisas da vida foram esquecidas. O amor já não acontece quando menos se espera e já nem se acende uma única chama. Apenas permanece a brisa suave de cada perfume que, noite após noite, deixam no meio dos lençóis. Assinam-se papeis dizendo “por amor” mas por amor não são. Não se comprova o amor por uma assinatura. O amor sente-se nos carinhos e afectos dados cuidadosamente e que tanto bem fazem.
A sociedade é feita disto. Já nem a virgindade é vista como pureza. A virgindade é vista como uma praga. As piores traições são aquelas que são feitas ao próprio corpo. Faz-se o impensável pelos outros e o que os outros fazem são exemplo de vida. A sociedade é assim. “Interrogada sejas por sangue não teres perdido”, mas desprezada sejas por amor nunca teres sentido.
Amor corporal não passa de interesse sexual. A busca do amor não parte da busca do prazer. O amor tem de partir do nada e criar tudo. Diz-se feliz por não casar, diz-se feliz por não namorar, diz-se sozinha por ninguém a querer quando ela só quer é... sozinha sofrer.

DarkMoon


''Vem de dentro tudo o que sou mas como posso ser alguém se não tenho nada por dentro? Vazia e trancada no meu próprio mundo cheio de assombrações e medos inquebráveis, tento viver lutando contra todas as minhas vontades. Dos anjos caiem promessas e dos demónios assombrações. As promessas ficam suspensas na escuridão da noite mais fria e as asas que os enviaram fogem para um mundo mais sólido. Risonho fica o demónio que se apodera de mim dia após dia roubando-me parte da minha vontade de viver. Suporto toda a dor e lágrimas com a falta de sentimentos. A mente fria do corpo magro e gelado não tem cor, não tem vida. Um véu negro tapa-me toda a visão e não sei viver assim. Quero ver o que não pode ser visto. Apodera-se de mim a sede dos teus lábios e a fome do teu toque. Nada diz que sim. Sento-me, vencida pelas vertigens dos quilómetros e pela fadiga do tempo. Não posso fazer nada. Não me posso levantar. Um grande peso puxa-me em direcção ao chão. Lembro-me que estou num mundo sombrio, frio, escuro. Um mundo diferente do de todos os outros seres humanos. Onde a gravidade é incompatível com a minha força. Do meu vestido negro apenas sinto o molhado das lágrimas de outrem. Das lágrimas que um dia alguém derramou por mim. E piora o vento que me bate de frente. Seca todas as lágrimas e proíbe-me de respirar. Vento frio e forte. Congela-me o coração e faz de todas as lágrimas que queria um dia libertar, pequenos cristais de gelo. Parecem pequenos diamantes presos aos meus olhos negros. Engulo as palavras que a dor me trás e prendo-as a todas as lágrimas que não consigo libertar. Não posso demonstrar a parte fraca, fazendo-me sentir ainda pior. Ninguém desconfia. Os anjos que me olham nada podem fazer. Vendo-me ali sentada, pensam que estou assim porque quero. Não sentem o frio gelado, as mãos trémulas, o aperto no coração, a falta de alma, a fome e sede. A raiva apodera-se de mim e faz do meu vestido panos. Agora sei que devia ter ficado quieta e calma à espera que um dia alguém se lembrasse. Agora estou nua e mais gelada que nunca. As unhas cravam-se no meu corpo abrindo as feridas que nunca chegaram a fechar. E assim fui perdendo as forças, a esperança, a alma e o amor. Perdi-me em mim própria. O coração esquece-se de bater e ali morri, gelada, nua e ensanguentada.'' Nunca mais ninguém ouviu falar dela. Naquela noite fria, a lua negra desapareceu.