domingo, 29 de agosto de 2010

Mãe




Que mais sou eu que uma simples rapariga? Sim é verdade, mas devo de dizer que, tal como todos os seres humanos, preciso de atenção. Amor, carinho, afecto. Um simples abraço para mim significa muito. Mas ninguém me vê. Tal como no meu sonho, sou um simples fantasma que, por mais que grite, ninguém ouve. Não é por terem a culpa. Talvez a culpa é minha.
Desde pequena que sempre considerei a minha mãe como um exemplo a seguir. Quando eu era mais nova era ela a minha melhor amiga, contava-lhe tudo porque sentia que assim deveria de ser. Sei que errei muito, erros de criança, mas ela não se importou. Que criança má sou eu perto de tantos exemplos? Calada e tímida, todos na escola me conheciam por ninguém ter. Os amigos que já tive, foram amigos que demorei cerca de 6 anos a conquistar. Poucos foram os amigos que ficaram cá para me apoiar mas desabafos, esses sim oiço muitos. Mas é do mais silencioso segredo que eu vivo. Mas o mesmo não se passava com a minha mãe. Contava-lhe tudo sem receios. Que melhor amiga poderia ter eu? Ela não me ignorava se eu fizesse algo de errado. Mas toda a sua atenção era sempre pouca.
Toda a minha vida vivi ansiosa pelos fins-de-semana. Não por acabar a escola, mas por ficar juntinha a ela e passar o meu tempo em casa. Durante a semana, sempre que não estava na escola, ia para a casa da minha avó, fechava-me no quarto e brincava como quem brincava acompanhada. Por vezes ficava a brincar até adormecer. Fazia de tudo para que o tempo passasse depressa para chegar àquela hora da noite que ela saia do seu trabalho sobrecarregada de cansaço e me fosse buscar à casa da minha avó. Ia com ela, por vezes de mão dada. Sentia a mão dela a aquecer a minha o que me dava muito conforto. Quando estava com ela, o brilho das luzes nas ruas escuras não me assustava. Fazíamos o mesmo percurso todos os dias da semana, porque nos dias de fim-de-semana, o percurso era outro.
Acordava de manhã cedo. A minha mãe normalmente já estava acordada quando eu despertava. Sentava-me na sala a ver televisão. Lembro-me tão bem de quando tudo para mim era perfeito. O meu pai ia embora com o meu irmão todos os fins-de-semana de manhã o que me dava a possibilidade de brincar e mexer nas coisas do meu irmão às escondidas. Quando ele voltava e ralhava comigo porque tinha brincado com algo dele, a minha mãe metia-se sempre ao barulho, dizendo que tinha sido ela quando estava em arrumações. Tudo para me defender.
Para mim, ter pai ou irmão era-me indiferente já que do meu pai era raro até a simples troca de olhares e do meu irmão era mais usual ouvir gritos e por vezes risos de troça. Quando ambos estavam juntos a única coisa que faziam era gozar comigo pelo facto de eu ser gordo, motivo esse que me levou a fazer uma dieta até aos limites de magreza que o meu corpo poderia aguentar.
Desde muito cedo que os fins-de-semana para mim é sinónimo de estar com a minha mãe. Mais tarde, já quando eu andava na primária e até quando andava no 2º ciclo, ela levava-me de manhã para um centro comercial onde o nosso pequeno almoço era normalmente um grande e saboroso waffle de chocolate que normalmente dividia com ela. Era feliz assim. Passeávamos e falávamos quando havia tempo. Lembro também de esperar que a minha mãe terminasse de fazer a massa para os bolos para eu depois lamber os restos.
Mas os anos passaram e tudo foi-se perdendo aos poucos. Por vezes, gostaria de ser criança novamente. Era tudo tão fácil e parecia nunca haver problemas.
Comecei a dar cada vez menos importância ao meu pai. Na verdade, para mim ainda continua a ser um homem que não conheço. Tudo o que conheço dele, são familiares que me contam. Que poderei eu saber dele se ele ia-se embora para o trabalho de manhã e, por vezes ,nem o ouvia chegar a casa? Desde muito nova nunca me apercebi que adoração devia ter com o meu pai e fazia-me confusão os meus colegas da escola falarem tão bem dos seus pais e eu, sem saber o que dizer, falava da minha mãe.
Perdi-me completamente nos anos e agora que me encontrei sinto-me só. A minha mãe já não é aquela que me acordava de manhã para irmos tomar o pequeno-almoço a algum lado, já não é aquela mãe que me aquece a mão em pleno Inverno, já não brinca comigo como brincava. Por vezes sinto-me culpada de ter crescido e de já não ser a sua menina. Parece que agora só há um filho nesta casa. Fechei-me em mim e ignorei todos. A minha mãe tem cada vez mais trabalhos, é difícil apanhá-la em casa mas agora, sempre que a apanho em casa, desisto de falar. Por vezes tento falar e ela não quer ouvir. Diz-se que a culpa é minha mas eu às vezes nem sei o que tenho de mal. Por vezes paro e pergunto-lhe se tem orgulho em mim. Ela, sem poder dar outra resposta, diz que sim. Quem sou eu para dar orgulho quando ainda nada sei fazer? A raiva que sinto do meu pai, do meu irmão e da minha mãe é o que me destrói todos os dias. Por mais que tenha tentado conquistar o meu irmão ao longo de 16 anos, nunca consegui que ele fosse meu amigo. Nunca ouvi dele a palavra “mana”. Pouquíssimas foram as vezes, que ele, empolgado com algo, me chama e me pede uma opinião. Sinto-me tão bem quando ele o faz. Sinto alegria dentro de mim mas sabendo que estou a alimentar esperanças de um dia poder dizer com a mais real sinceridade que ele é meu irmão. A raiva que sinto do meu pai é diferente. É a raiva de não o conhecer e de ele insinuar que me conhece. A raiva de ver a minha mãe a esforçar-se por todos e ele ser o primeiro a rebaixar. Sinto raiva por ele ter feito tanto mal à minha mãe. Por todas aquelas atitudes racistas, machistas e egoístas.
Da minha mãe, é a raiva de não poder fazer nada e de ela nada fazer. Chegar a casa, dizer-me olá e mais nada dizer. Talvez desistira de dizer algo a alguém como eu. Insisto a dizer: a culpa é minha. Mas de mim também sinto raiva. A minha mãe agora já nem a casa vem. Por vezes vem a casa só mesmo para dormir. Sai dum trabalho e enfia-se noutro interessando-se apenas no dinheiro e nas amigas. Onde me situo nesta história? Onde me situo na história que um dia alguém quis escrever mas que tão incompleta ficou. De todas as personagens, eu sou uma figurante. Apenas os problemas levam à conversa. As conversa que temos são simplesmente conversas que sempre evitei: trabalho, problemas, amigas.
Ela desculpa-se sempre quando grita. Sinto nela cansaço, e por vezes, arrependimento naquilo que diz. Sei quando mente, sei quando se arrepende e sei quando algo não lhe agrada. Ela é do meu sangue, mas a diferença do meu pai, é que ela está-me no coração.
A minha mãe cresceu. Não fui só eu. A minha mãe agora está a dar mais importância ao meu irmão porque eu de importante nada tenho. Sou apenas aquela filha que passa os dias fechada em casa por não ter nada que fazer, que a chateia mas não pelo mau sentido. Ela diz que sou chata, mas eu apenas falo com ela nas horas vagas. Horas vagas são pouca e ela vê como uma chatice. O mesmo não se aplica com o meu irmão. De todas as conversas que ela tem com as amigas, eu apareço em segundo plano de elogio. Sai-lhe do coração algo como: “O meu filho é rapaz de se deitar perto de mim para falar comigo.” Mas só depois de sentir a minha presença e de sentir que o mundo me cai aos pés quando ninguém fala de mim, que para toda a gente eu não existo, ela diz: “Mas a minha filha também.”

Eu sei que ela também me sente. Mas eu sei que ela só sente a minha mágoa quando grita comigo e eu de queixo baixo fico. Tenho uma personalidade forte que ninguém consegue ver. Digo tudo o que penso mas por vezes não o posso fazer. Sei que se lhe contasse tudo o que me vinha à cabeça, ela diria novamente aquilo que ouvi uma vez: “Nunca pensei que ela me viesse a dar uma decepção”. Escrevo tudo o que sinto pois sei que só assim me conseguirei libertar. É com lágrimas escorridas pelo rosto abaixo que escrevo isto, lágrimas essas que querem sair quando estou perto dela mas que eu não as deixo escapar. Não posso dar-me ao luxo de mostrar que tenho mais motivos para a desiludir. Ela precisa de ver que me ei de aguentar com tudo assim como ela. Quero que ela veja que tenho uma personalidade forte e que não me deixarei ir abaixo mesmo que as pessoas que eu mais amo me abandonem. Só preciso do carinho dela, da sua disponibilidade, do seu respeito e que partilhe comigo o que ela não partilha com ninguém. Ela é minha mãe e um dia ei de mostrar que é melhor mãe do que ela pensa.

Sem comentários:

Enviar um comentário