sábado, 4 de setembro de 2010

Uma Festa Desagradável

Dia 3 de Setembro. Dia de comemorações em Albufeira. Tudo preparado e apostos para o próximo espectáculo que irá surgir. Mais um de inúmeros que a nossa cidade organiza. Desta vez eu fui. Para mal dos meus pecados e ideias.
Ficara na casa dos meus avós para não ter de fazer duas trajectórias: da casa dos meus avó a casa e de casa à baixa. Permaneci em casa dos meus avós esperando a minha mãe para um dos nossos passeios pela baixa, mas agora, com mais coisas para ver e pessoas a conviver.
Sem muito com que fazer, retirei um livro de poesia da prateleira. Abri a sua capa vermelha e deparei-me com um monte de folhas secas e amareladas do tempo. As letras pretas e velhas preenchiam cada página daquele livro, pelo menos no princípio. Passando o prefácio, o livro continha pequenas quadras. Cada página era composta por 4 quadras pequenas, o que deixava uma grande área amarelada por preencher em cada folha. Aquele livro fazia-me lembrar o Outono, altura que as folhas tomam a sua cor castanha e ficam secas até cair. Naquele livro, todos os poemas me surpreendiam, tanto da maneira como eram escritos, como da maneira que rimavam. Aqueles que eu não achava grande piada eram aqueles poemas que não percebia. Talvez por ter palavras que ficaram perdidas no tempo tal como aquele livro.
Enquanto eu admirava aquela literatura, abre-se a porta àquele que tanto esperavam mas com quem eu não contava. Escondi de imediato o livro por baixo da toalha de mesa, não fosse o meu pai arranjar conversa para me roubar o meu precioso tempo e orgulho. Esperei um pouco na cadeira para não dar a sensação que o evitava. Olhava para a televisão sem expressão. Olhava por olhar. Se me perguntassem o que estava a dar na televisão nem sabia dizer. Estava a olhar para o vazio. Assim que ele se sentou à mesa, mesmo a meu lado, levantei-me e dirigi-me para o quarto da minha avó para poder ler e apreciar aquele livro sem que ninguém me chateasse, muito menos ele. Continuei a ler, por vezes ria, outras vezes voltava a ler por não ter percebido e alguns dos poemas, dizia em voz alta para a minha avó ouvir. Mantinha-me entretida a ler mas não tão tranquila como gostaria. A minha atenção por vezes era só e apenas para a porta. Queria passar o mais despercebida possível para evitar de falar com ele. Evitava ver futebol na televisão para ver a quanto estaria Portugal a ganhar só para ele não puxar conversa. Até que puxou.
Permaneceu na porta sem entrar. Não lhe olhei. Não o faço e nem tenho cabeça para tal. Olhar para ele irrita-me. Perguntou-me se ficaria ali. Eu respondia como se não o conhecesse, ou talvez pior. Falava como quem fala aos drogados na rua. Sentia-o magoado. A sua voz de baixo tom e sem a sua mania de costume levara-me a pensar que ele se importava pelo facto de não lhe falar. Nessa altura perguntava-me se as bestas também sentiam. Saiu porta a fora. Ao ouvir a porta a bater, sai do quarto aliviada e fui risonha ter com o meu avô que espreitava pela janela da porta. Vi que o carro do meu pai permanecia ali e ouvi o meu avô a comentar com a minha avó que ele tinha estacionado o carro para ir ver a festa na baixa. Sentia-me enraivecida. A noite que era destinada a uma saída para ir à festa anual dos pescadores com a minha mãe estava arruinada. O meu pai voltou e eu saí de casa. Esperei na rua que a minha mãe chegasse. Quando a vi a andar em passo acelerado pela rua estreita e iluminada por aqueles altos candeeiros de rua de luz quente, fui em sua direcção implorando que ela não fosse para a casa da minha avó. Mas ela precisava de cozer o seu fecho às calças, e contra todas as minhas vontades, dirigiu-se à casa onde a besta permanecia à minha espera. Quando entramos, ali estava ele, especado a olhar para o nada, de mãos nos bolsos e de pé no meio da sala. A minha mãe entrou e foi para o quarto da minha avó. Quando acabou o que tinha a fazer foi comigo até à baixa por uma rua escura onde mais pessoas seguiam.
Quando estávamos quase a chegar às escadas rolantes que nos iam levar até à festa, o meu pai juntou-se a nós sem nada dizer, fazendo-se de despercebido. Sei perfeitamente que ele nos esperava ali. Ele devia estar à espera que lhe olhasse ou que lhe disse-se alguma coisa mas não cedi. Meti-me nas escadas rolantes como se fosse sozinha para algum lado. Olhava a paisagem deslizante enquanto a raiva me percorria as veias. Tê-lo ali perto perturbava-me bastante. Quando as escadas rolantes finalmente terminaram, olhei para a grande multidão, analisando rapidamente cara por cara procurando uma escapatória àquele pesadelo. Não encontrava ninguém conhecido.
Pensei que aquela farsa de família unida não duraria muito até se desfazer. Aguardava a cada segundo que a besta se separasse das pessoas que nunca deu valor. Das pessoas que usou para dizer que era mestre. Das pessoas que usou para dizer que tinha vida quando a sua vida era outra. Não tardou muito até ele seguir a direcção oposta à que nós seguíamos. Encontramos um casal conhecido que perguntou de imediato por aquele homem a que chamam meu pai. A minha mãe apontou na direcção onde a besta seguia de mãos nos bolsos com um ar de quem mandava no mundo. Ficamos lá na conversa até nos separarmos deles para procurarmos a barraquinha das bebidas. A festa era composta por duas longas fileiras de barracas brancas e no meio dessas fileiras, era onde se encontravam as mesas e bancos compridos de madeira onde as pessoas se sentavam a monte. No fundo das fileiras, já quase na praia, um enorme palco negro cheio de luzes dava a música de fundo, por vezes ensurdecedora.
Percorremos cada barraquinha vendo e analisando os preços. Havia as barraquinhas onde as coisas eram caras e de pouca qualidade e havia as barraquinhas onde a qualidade superava o preço. A última barraquinha que visitámos era a que procurávamos. Já quase na praia, uma barraquinha onde se vendiam cocktails feitos na hora por barmens treinados para esse mesmo fim. A minha mãe enquanto esperava pelas duas caipirinhas que pedira, avisou-me que ele vinha na nossa direcção. Avistei-o de imediato. Aqueles grandes olhos, cara de louco e uma postura ridícula de homem importante destacavam-se na multidão. O simples facto de o ter visto e de termos trocado um curtíssimo olhar irritou-me e fiquei até mal disposta. Mas ele não se aproximou de nós. Não ia ele estragar a sua brilhante postura perante os tão poucos amigos que tinha no meio daquela multidão. Para não ir ter connosco e estragar a sua postura mas ficar próximo para me irritar, ficou especado a olhar para o palco à procura de defeitos ou simplesmente a fazer-se de culto.
Quando as caipirinhas acabaram de ser feitas, pegámos nos copos e dirigimo-nos para a mesa onde o tal casal conhecido estava. Sentamo-nos e enquanto a minha mãe falava da vida, eu olhava atentamente para as pessoas que passavam. Vi três amigas minhas, ou não. O tempo que passei longe de tudo e todos, estragou as amizades que tanto trabalho tive a conquistar. Talvez elas já não me vissem como amiga mas sim como conhecida. Enquanto as observava pensei para mim: “Não vale a pena ires abaixo agora. Quando a escola começar, tens um longo percurso a fazer, mas é esse o percurso da felicidade. Irás fazer novos amigos enquanto convives com aqueles que talvez não te esqueceram. Mas sei que tens amigos. Eles estão lá. Tu é que nunca lá tiveste.”

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