sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Uma Noite Escura e Uma Gata Preta


Com uma presença desagradável entrando porta a dentro, sai do meu lugar. Incapaz de me sentar em mais alguma cadeira e ser vítima de conversa, saí de casa na esperança que ele não fosse atrás ou que simplesmente me obrigasse a voltar para dentro. Sentei-me no muro branco e frio que fazia a trajectória para a casa dos meus avós. Permaneci ali sentada a sentir o frio da noite a passar suavemente pela minha pele. Naquele lugar sentia-me protegida. Mesmo sabendo que estava da rua, aquele lugar dava-me uma sensação de protecção. Estava sentada num lugar escuro e não muito perto da estrada. Um lugar para onde ninguém olharia.
Ouvia as folhas das árvores a baterem umas nas outras, empurradas pelo suave sopro do mar. Já era menos provável ver os estrangeiros a passar pela rua. Era o último dia de Agosto e os turistas já eram menos. Por vezes via passar raparigas que conhecia. Iam bem arranjadas para a tão falada baixa, onde os bares e as discotecas prometem festa até ao nascer do sol. Enquanto via as pessoas bem arranjadas e produzidas a passarem para a baixa, via as pessoas com roupas mais simples a ir para a cidade empurrando carrinhos de bebé ou de mão dada às crianças.
Enquanto apreciava a paisagem daquela noite, a vizinha dos meus avós chama-me e diz que estava um gato no telhado. Achei estranho os cães a ladrar mas não fazia ideia que era um gato. Quando olhei para cima vi a sua pequena cabecinha preta. Os olhos cintilantes e negros como a escuridão da noite, centravam-se em mim. Quando lhe chamo pelo nome, ela aproxima-se da ponta do telhado, num andar delicado e tímido. Era sem dúvida a minha gata. Não conseguiu ficar em casa sabendo que eu estava na rua e decidiu ir pela varanda e saltar para o telhado para ir ter comigo à porta de casa. Mesmo sabendo que a casa era baixa, o telhado ainda era um pouco alto do chão. Ela punha a pequena cabeça fora do telhado para me observar na parte de baixo e ouvia pelo seu miar que estava com medo de descer. Subi para cima do muro mantendo-me de bico de pés, chamei-a à ponta do telhado e puxei-a pelas patas para o meu colo. Ela hesitava e fazia força para trás com medo da altura a que se encontrava. Puxei-a um pouco mais e toda aquela força fez-lhe soltar um miado de dor. Coloquei-a rapidamente em cima do muro para que ela, lentamente, acalmasse.
Não tardou muito até que ela fosse a correr para as minhas pernas suspensas pela pequena altura do muro, para se esfregar com quem pedisse atenção. Já não me sentia sozinha naquela noite escura. Sabia que a tinha por perto e era minha obrigação assegurar-me que nada de mal lhe acontecesse. Por vezes, passava-lhe a mão pelo pêlo e sentia as diferenças de temperatura. A minha mão fria e húmida no seu pelo quente e seco.
Fiquei ali horas perdidas à espera que ele se fosse embora novamente para voltar a entrar em casa. A gata fartou-se de andar de um lado para o outro e deitou-se no meu colo. Atenta, ela olhava para cada movimento das pessoas na rua. Mantinha-se calada e imóvel mexendo apenas a cabeça de um lado para o outro. As suas orelhas espetadas davam a entender a atenção que ela estava a ter. Farta de esperar e nada acontecer, suspirei. Um suspiro tão profundo que, sem crer, soltei um pequeno gemido quase inaudível. A gata ouviu-me e, como se me quisesse dizer que estava ali para me defender, fechou a pequena pata na minha perna como se me quisesse agarrar, e soltou uma suave e curto miado por entre dentes. Quando fiquei ali mais meia hora sem nada dizer, ela levanta-se e olha-me nos olhos. Perguntei-lhe o que se passava e ela miou-me como se me quisesse dizer alguma coisa. Como eu não entendo miado, e acho que ela sabe disso, embateu com a sua pequena cabeça no meu braço caído sobre o colo. Estava na hora de ir para casa.
Esperei que ele saísse para eu voltar a entrar. Meti a gata em casa para ela entrar mas, com a sua velocidade e o seu pequeno corpo, foi para a rua, esperando que eu entrasse primeiro. Uma maneira de se assegurar que eu entraria com ela e não voltasse para a rua. Peguei-lhe ao colo para que ela visse que íamos entrar as duas. Senti-a a dar-me pequenas cabeçadas no meu queixo enquanto me dirigia para a cozinha para que ela pudesse comer ou beber água, visto que passamos muito tempo na rua.
Ainda dizem que os animais não sentem amizade para com os humanos.

P.S.: A gata que está na foto é a minha gata. O seu nome é Carocha mas costumamos chama-la de Carochinha.

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