terça-feira, 31 de agosto de 2010

Um dia de praia


Já à muito tempo que não ia à praia. Tenho passado o tempo fechada no meu pequeno e cómodo mundo. É difícil para mim ir para a praia sozinha. Não compensa o desperdício de energia e paciência. Mas no domingo, convidaram-me para ir e eu aceitei.
Não tinha dormido nessa noite. Estava de directa e o meu corpo estava estranho. Não tinha sono nenhum e senti o coração a disparar ao mínimo esforço que fazia. Descontraída e à espera que me viessem buscar, deitei-me no meu pequeno sofá de sala enquanto via televisão. Eu adoro ver os Simpsons e àquela hora estava a dar. Comecei a ver a série até que comecei a olhar para as letras pequenas e brancas das legendas mas sem as ler. Estava a sentir as minhas pálpebras a fecharem cada vez mais cada vez que piscava os olhos. Por vezes, o piscar de olhos era demorado, fazendo da minha visão turva. Deixei-me dormir sem dar conta.
Acordei sobressaltada quando ouvi a campainha a tocar. Não me tinha deixado dormir à muito tempo, ainda estava a dar os Simpsons e não tinha passado 20 minutos desde a ultima vez que tinha olhado para o telemóvel. Levantei-me à pressa para ir abrir a porta. Sentia o meu coração a palpitar tanto que o conseguia ouvir. Estava cansada. A minha respiração estava acelerada e sentia o meu peito solto. Quando abri a porta e vi que era o meu primo, a voz que me saiu para o cumprimentar era esganiçada e sem força, aguda e suave. Os meus tios estavam à minha espera na carrinha e eu ainda nem me tinha vestido para ir para a praia. Deixei o meu primo entrar e sentar-se na sala para ver os Simpsons enquanto fechava a porta do meu quarto para me vestir ainda um pouco sobressaltada. Quando finalmente acordei de mim e tive a oportunidade de pensar, coisa que o cansaço não me estava a permitir, pedi para o meu primo ir avisar aos meus teus tios que me tinha deixado dormir e que já ia. Ele assim cumpriu, deixando aporta aberta para mais tarde voltar para acabar de ver televisão. Ele tinha ido depressa. Saí do meu quarto cerca de cinco minutos depois e já lá estava ele.
Saí de casa e entrei na carrinha onde me aguardava o meu tio, a minha tia e o meu primo mais novo. Depois de entrar na carrinha, ainda com o corpo mole, entrou o meu primo ao mesmo tempo que a minha tia me perguntava se estava tudo bem. Partimos para a praia do Inatel.
Quando lá chegamos, vi a expressão do meu tio e da minha tia. Via que estavam a analisar qualquer coisa. Pouco depois, ouvi-o a comentar que a água estava castanha e imprópria enquanto a minha tia implicava de nada ter visto. Na verdade, eles estavam a ver se a água estava em condições visto que na noite anterior, a minha mãe falou-lhe que tinha havido uma descarga de esgotos na praia e, graças a um cano danificado, os esgotos desaguaram mais perto da costa do que era suposto.
Seguimos para uma próxima praia. Ainda não sabia para que praia íamos. Sei que estávamos a afastarmos de Albufeira. Quando estávamos prestes a chegar, li numa placa “Praia dos Salgados”. Era uma praia à qual eu nunca tinha ido. Já tinha ouvido falar desta praia e pelos maus motivos. Como tem uma lagoa lá perto, a praia foi considerada a praia com mais mosquitos do Algarve à uns anos atrás.

Saímos da carrinha e dirigimo-nos para as traseiras do carro. Os utensílios de praia eram distribuídos por cada elemento de forma equilibrada, sendo as crianças as que levavam menos. O meu primo mais novo teve de ir no colo da minha tia visto que não sabia andar com os novos chinelos que a mãe lhe tinha comprado. Como ele estava habituado a andar com chinelos do tipo havaianas, não lhe dava jeito andar com chinelos sem ser de enfiar no dedo. Reparei também que o seu irmão mais velho estava a fazer grandes esforços com uma pequena mala que levava numa das mãos. Perguntei-lhe se queria ajuda e ele deu-me o pequeno saco. Realmente era um pouco pesado mas como não levava muito, trocava o saco de mão de vez em quando. Antes de chegarmos à praia, fomos até perto da lagoa que se situava mesmo ao lado do parque de estacionamento da praia. Era uma lagoa limpa. A água fazia pequenas ondas com o vento. Havia patos negros a nadar lá no meio. Uma densa vegetação verde e alta impedia os mais curiosos de verem algo do parque de estacionamento, sendo só possível ver a lagoa, já perto da praia onde se situava uma ponte de madeira que atravessava a lagoa de um lado a outro.
Quando finalmente chegamos à praia, olhei em meu redor enquanto continuávamos a andar pelo areal fora para procurar um local para ficar. A praia era enorme e sem rochas. Para qualquer lado que olhasse só via chapéus-de-sol, areia, areia e areia. No fundo ao lado direito, conseguia-se ver uns prédios brancos. Quando finalmente chegamos ao local onde iríamos ficar as próximas horas, metemos tudo no chão enquanto que o meu tio furava o areal com metade do chapéu-de-sol. Enquanto ele metia a outra metade e abria o chapéu como um leque de cores, a minha tia espalhava o protector solar na pele das crianças. Por onde o creme passava, a pele tornava-se mais clara e com tons meio azulados. Tirei a roupa e pedi à minha tia para me ajeitar o bikini que a pressa que tive em casa não me deixou apertar.
Quando já estava tudo posto, tudo organizado e as toalhas estendidas, fomos para a água. Era uma água limpa e de tons esverdeados. Era possível ver a areia do outro lado daquele extenso espelho verde. Aproximávamo-nos das água devagar. Quando a força da água empurrou-a para os meus pés, senti-a fria. Continuávamo-nos a aproximar pouco a pouco até a água chegar-nos aos joelhos. As crianças brincavam na água, histéricas com o choque térmico. O meu primo mais velho chapinhava na zona de formação das ondas enquanto que o mais novo espezinhava a pouca água que subia a areia. Lentamente, o meu corpo era capada vez mais submerso naquele mar. Quantas mais ondas vinham, mais frio sentia mesmo sabendo que as ondas não eram grandes. Aquele frio acelerava-me o coração e, sempre que a água molhava mais um pouco do corpo, parte que não tinha sido molhada antes, os meus pulmões inchavam de ar e o meu peito elevava-se. Quando finalmente tive a coragem de mergulhar, levei os dedos ao nariz para a água não entrar e num acto heróico, mergulhei na água fria. Senti toda a minha cabeça a arrefecer e a minha mente a acordar. O frio da água congelava-me as emoções. Dentro daquela água não tinha problemas. Apenas ouvia as crianças a guincharem da superfície como se estivesse numa divisão à parte e fechassem a porta à chave. Os sons eram todos abafados fazendo com que o barulho das ondas, calasse tudo o resto. Quando voltei à superfície foi como se entrasse no mundo outra vez. De cabelo colado à cabeça, limpei os olhos com a ponta dos dedos para retirar o excesso de água. Assim que abri os olhos algo me impossibilitou de os deixar abertos, fechando-os com força. Não tinha retirado a água toda que se encontrava presa por entre as pestanas e quando abri os olhos, as pequenas gotículas de água salgada entraram-me pelos olhos a dentro, fazendo-os arder bastante.
Quando limpei bem os olhos de modo a já os conseguir abrir bem, abaixei-me e fiquei submersa até ao pescoço. Sentia os músculos todos. A água parecia querer congelar-me os músculos e articulações que se movimentavam para dar a possibilidade da minha cabeça permanecer fora de água. Quando comecei a sentir frio, sai do mar com as ondas a empurrarem-me para a arrebentação. Quando cheguei à areia, senti uma grande dor de ouvidos. Permaneci ali perto de água com os meus tios enquanto que a minha tia tirava fotografias às crianças que não ligavam a nada sem ser à brincadeira. A minha dor de ouvidos dizia-me para ir para a toalha mas eu queria ficar ali. Todos os dias sozinha em casa e agora que estava com os meus tios ia ficar sozinha por causa duma dor de ouvidos? Ignorei a dor de ouvidos que mais tarde veio a passar.
Quando a minha tia desistiu de tirar fotos às crianças irrequietas, voltamos para a toalha. Deitei-me na pequena toalha que tinha encontrado em casa. Nem pensei nas suas dimensões com a pressa que tinha. Estar deitada naquela toalha fazia-me impressão. Era pequena de mais. Ou eu estava quietinha e de braços junto ao corpo, ou tinha os braços na areia. Desisti de estar de barriga para cima e meti-me de barriga para baixo enquanto o meu tio se deitava à sombra e a minha tia lia um livro ao sol.
Deixei-me dormir sem reparar. O meu cansaço era suficiente para me deixar dormir sempre que me deitava.
Acordei com gritos de vozes que não me eram estranhas. Ainda estava muito hipnotizada para perceber o que quer que fosse. Levantei a cabeça e senti uma enorme dor de pescoço. Virei-o no sentido oposto para aliviar a dor e voltei-o para a frente. Quando olhei para onde vinha o barulho, deparei-me com os meus dois primos na sombra a zangarem-se um com o outro. Perguntava-me quantas horas tinha eu dormido. Não tinha a menor noção do tempo. Virei-me e sentei-me na toalha. Olhei para o mar ofuscada pelo sol. Tinha a impressão que o mar subira naquele tempo que tinha estado a dormir. Olhei para o lado e vi a minha tia a gritar com os miúdos. Lembrei-me de ir ver o telemóvel para ver se tinha alguma mensagem e para ver as horas. Tinha uma mensagem do meu namorado. Reparei que nem na praia eu tinha dormido muito. Se tivesse dormido quinze minutos era muito mas já sentia alguma satisfação por parte do meu cérebro ao dormir aquele bocado.
O meu tio perguntou-me se queria comer e eu, ainda um pouco adormecida, perguntei se já era hora de almoço esquecendo-me completamente que tinha visto as horas naquele instante. A minha tia disse que sim e o meu tio preparou-me uma sandes mista com batatas fritas dentro. Confesso que não tinha muita fome. Talvez porque tinha acordado na altura ou porque o calor me impedia de ter muita fome. Comi mesmo sem apetite. Fiquei na toalha a falar com a minha tia durante um bocado e mais tarde fui com ela para a água outra vez. Mergulhei e, em vez de ir embora, permaneci na água com a minha tia para falarmos. Passado algum tempo, quando o frio já se fazia sentir nos ossos, saímos e permanecemos perto do meu tio na berma da água onde o meu primo mais novo continuava a brincar. Continuamos a falar enquanto observávamos os miúdos a brincar. A minha atenção centrava-se principalmente no mais novo. Achava piada a sua brincadeira. Ele atirava-se para a areia quando as ondas rebentavam, mas por vezes, esquecia-se que depois daquela onda vinha sempre outra. Houve duas ou três vezes que as ondas passaram-lhe por cima da cabeça, enchendo-lhe o cabelo de areia fina.
Pouco tempo depois, os meus tios pediram-me para estar de olho nas crianças enquanto eles iam os dois para o mar. Sentei-me na areia húmida enquanto sentia a pouca água a molhar-me os pés. A minha atenção estava centrada no mais novo. Tinha a atenção de ver cada movimento para calcular a próxima queda.
Quando voltaram, eu e a minha tia fomos para as toalhas e o meu tio, com um balde de criança cheio de água, molhava a cabeça do seu filho mais novo para lhe tirar o excesso de areia.
Eu e a minha tia costumamos falar muito sobre a vida. Ela desabafa comigo assim como eu desabafo com ela. Mais do que uma tia, nós somos amigas.
Estávamos na conversa, quando se aproxima o meu tio com o balde na mão. Sem repararmos que o balde estava cheio de água, falamos com ele como se nada fosse. O seu sorriso mostrava que estava pronto a aprontar alguma. Quando reparei no seu sorriso já o meu tio se estava a preparar para cumprir com a partida. Molhou a minha tia com a água gelada do mar. Antes de conseguir pensar numa escapatória, já ele se estava a virar para mim para me molhar também. Eu ria-me enquanto que a minha tia ralhava com ele por ter molhado as toalhas. Ele não se parecia importar e ainda mandou areia para cima de nós, areia essa, que entrou em contacto com os nossos corpos molhados e colou. Tivemo-nos que levantar para ir ao mar retirar a areia de cima.
Voltámos a sair. Sacudimos e estendemos as toalhas pesadas de molhadas e sentámo-nos lá para falar mais um pouco.
Não demorou muito para o meu tio pedir para nos irmos embora.

Maçados de uma tarde de praia, transportámos as coisas que, agora, pareciam pesar o dobro. O caminho até ao carro foi mais cansativo do que o caminho do carro para a praia. Quando finalmente me sentei no carro e deixei repousar o corpo, pensei em todo o meu dia e cheguei à conclusão que valeu a pena. Valeu a pena acordar daquele curto sono que devia ter sido onze horas antes, valeu a pena o esforço para me despachar e valeu a pena despertar para desfrutar.

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